Corrente de Consciência

"Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador." Clarice Lispector

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dezembro 06, 2009

Ao frio

Nunca mais seremos crianças. Nunca mais seremos inocentes. Nunca mais faremos algo só porque sim, só porque o outro talvez vá gostar, porque o irá fazer feliz. Há já muito tempo que não estamos nesse tempo. Agora tudo o que fazemos é porque vai parecer bom, bonito, interessante. Simpático. Fazemos porque os outros nos fazem fazer; fazemos porque os outros têm forma de nos fazer ver que o que parece bem é aquilo.
Porque é que já não há aquele "estar porque sim"; estar junto só por estar perto, sentir aquela presença logo ali, mesmo que em silêncio.
Nunca mais seremos crianças. Nunca mais vamos rir um para o outro e dizer "vamos brincar". Nunca mais nos olharemos nos olhos e, sem falar, dizer "gosto de ti". Agora, tudo o que fazemos já não fazemos. Não fazemos porque pode parecer outra coisa. Pode parecer um interesse demasiado; não pode parecer nada.
Por isso, já nada fazemos. Mantemo-nos separados, calados, cabisbaixos, desconfiados. Metemos as mãos nos bolsos, porque está frio. É só frio; falamos do tempo porque já não há nada para dizer; porque as mãos estão nos bolsos.
Já não olhamos um para o outro para dizer "vamos brincar".