Corrente de Consciência

"Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador." Clarice Lispector

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janeiro 18, 2007

A Catedral


A Catedral (1908) é uma escultura de Rodin. A sua perfeição e, simultaneamente, simplicidade e leveza conquistam os olhos mais sensíveis. Quanto a mim, não necessita de grandes comentários. Por si só enche todas as medidas. Envolvente. Firme. Suave.

janeiro 16, 2007

Ricardo Reis e o distanciamento

Não só quem nos odeia ou nos inveja
Nos limita e oprime; quem nos ama
Não menos nos limita.
Que os deuses me concedam que, despido
De afectos, tenha a fria liberdade
Dos píncaros sem nada.
Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada
É livre; quem não tem, e não deseja,
Homem, é igual aos deuses.

Ricardo Reis


Será preferível desligarmo-nos do afecto, como preconiza Pessoa na voz de Ricardo Reis nesta ode? Tornar-se-á mais ao homem despir-se de qualquer tipo de sentimento, positivo ou negativo, de forma a proteger-se da dor futura pelas coisas terem acabado? Deveremos então optar por uma estada nesta vida “sem desassossegos grandes / (…) Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz”, como nos diz outra ode, a belíssima “Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio”?
Ricardo Reis era, sem dúvida, um defensor de uma passagem tranquila por esta vida, uma vida sem desassossegos e cuidados. Segundo as suas palavras, de nada adiantam as grandes paixões, os grandes amores. Não que Ricardo Reis não incite ao amor, muito pelo contrário: defende que, como o sujeito de uma das suas obras pede à amada, “Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos. / Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio”: “o rio sempre correria, / e sempre iria ter ao mar”.
Assim sendo, será menos custoso desprendermo-nos do outro se, no futuro, os sentimentos se transformarem ─ e não que murchem ou desapareçam: apenas assumem contornos mais suaves, mais amenos. Como nos diz Ricardo Reis, temos de deixar que as flores fiquem no nosso colo, para que “o seu perfume suavize o momento”: é melhor ficarmos um ao lado do outro sem grandes desassossegos, pensando apenas como poderia ser se tivéssemos singrado por um caminho mais sinuoso, de beijos e calor.
Segundo este heterónimo de Pessoa, a vantagem de tal distanciamento voluntário é não sofrermos caso o outro se afaste ou caso a vida nos force a seguirmos cada um o seu caminho.
Para terminar, transcrevo a bonita ode à qual também faço referência nesta pequena ─ atrevo-me a dizer ─ dissertação:
Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim – à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.

janeiro 14, 2007

Manifesto

Deixo hoje aqui um texto datado de 1916, muito engraçado e, digamos, transparente. Foi escrito por Almada Negreiros e chama-se Manifesto Anti-Dantas. Deliciei-me a lê-lo e espero que também gostem.

BASTA PUM BASTA!

UMA GERAÇÃO, QUE CONSENTE DEIXAR-SE REPRESENTAR POR UM DANTAS É UMA GERAÇÃO QUE NUNCA O FOI! É UM COIO D'INDIGENTES, D'INDIGNOS E DE CEGOS! É UMA RÊSMA DE CHARLATÃES E DE VENDIDOS, E SÓ PODE PARIR ABAIXO DE ZERO!
ABAIXO A GERAÇÃO!
MORRA O DANTAS, MORRA! PIM!
UMA GERAÇÃO COM UM DANTAS A CAVALO É UM BURRO IMPOTENTE!
UMA GERAÇÃO COM UM DANTAS À PROA É UMA CANÔA UNI SECO!
O DANTAS É UM CIGANO!
O DANTAS É MEIO CIGANO!
O DANTAS SABERÁ GRAMMÁTICA, SABERÁ SYNTAXE, SABERÁ MEDICINA, SABERÁ FAZER CEIAS P'RA CARDEAIS SABERÁ TUDO MENOS ESCREVER QUE É A ÚNICA COISA QUE ELLLE FAZ!
O DANTAS PESCA TANTO DE POESIA QUE ATÉ FAZ SONETOS COM LIGAS DE DUQUEZAS!
O DANTAS É UM HABILIDOSO!
O DANTAS VESTE-SE MAL!
O DANTAS USA CEROULAS DE MALHA!
O DANTAS ESPECÚLA E INÓCULA OS CONCUBINOS!
O DANTAS É DANTAS!
O DANTAS É JÚLIO!
MORRA O DANTAS, MORRA! PIM!
O DANTAS FEZ UMA SORÔR MARIANNA QUE TANTO O PODIA SER COMO A SORÔR IGNEZ OU A IGNEZ DE CASTRO, OU A LEONOR TELLES, OU O MESTRE D'AVIZ, OU A DONA CONSTANÇA, OU A NAU CATHRINETA, OU A MARIA RAPAZ!
E O DANTAS TEVE CLÁQUE! E O DANTAS TEVE PALMAS! E O DANTAS AGRADECEU!
O DANTAS É UM CIGANÃO!
NÃO É PRECISO IR P'RÓ ROCIO P'RA SE SER UM PANTOMINEIRO, BASTA SER-SE PANTOMINEIRO!
NÃO É PRECISO DISFARÇAR-SE P'RA SE SER SALTEADOR, BASTA ESCREVER COMO DANTAS! BASTA NÃO TER ESCRÚPULOS NEM MORAES, NEM ARTÍSTICOS, NEM HUMANOS! BASTA ANDAR CO'AS MODAS, CO'AS POLÍTICAS E CO'AS OPINIÕES! BASTA USAR O TAL SORRISINHO, BASTA SER MUITO DELICADO E USAR CÔCO E OLHOS MEIGOS! BASTA SER JUDAS! BASTA SER DANTAS!
MORRA O DANTAS, MORRA! PIM!
O DANTAS NASCEU PARA PROVAR QUE, NEM TODOS OS QUE ESCREVEM SABEM ESCREVER!
O DANTAS É UM AUTOMATO QUE DEITA PR'A FÓRA O QUE A GENTE JÁ SABE QUE VAE SAHIR... MAS É PRECISO DEITAR DINHEIRO!
O DANTAS É UM SONETO D'ELLE-PRÓPRIO!
O DANTAS EM GÉNIO NUNCA CHEGA A PÓLVORA SECCA E EM TALENTO É PIM-PAM-PUM!
O DANTAS NÚ É HORROROSO!
O DANTAS CHEIRA MAL DA BOCA!
MORRA O DANTAS, MORRA! PIM!
O DANTAS É O ESCARNEO DA CONSCIÊNCIA!
SE O DANTAS É PORTUGUEZ EU QUERO SER HESPANHOL!
O DANTAS É A VERGONHA DA INTELLECTUALIDADE PORTUGUEZA! O DANTAS É A META DA DECADÊNCIA MENTAL!
E AINDA HÁ QUEM NÃO CÓRE QUANDO DIZ ADMIRAR O DANTAS!
E AINDA HÁ QUEM LHE ESTENDA A MÃO!
E QUEM LHE LAVE A ROUPA!
E QUEM TENHA DÓ DO DANTAS!
E AINDA HÁ QUEM DUVIDE DE QUE O DANTAS NÃO VALE NADA, E QUE NÃO SABE NADA, E QUE NEM É INTELLIGENTE NEM DECENTE, NEM ZERO!
(…)
CONTINUE O SENHOR DANTAS A ESCREVER ASSIM QUE HÁ-DE GANHAR MUITO CO'O ALCUFURADO E HÁ-DE VER, QUE AINDA APANHA UMA ESTÁTUA DE PRATA POR UM OURIVES DO PORTO, E UMA EXPOSIÇÃO DAS MAQUETES P'RÓ SEU MONUMENTO ERECTO POR SUBSCRIÇAO NACIONAL DO SÉCULO A FAVOR DOS FERIDOS DA GUERRA, E A PRAÇA DE CAMÕES MUDADA EM PRAÇA DO DR. JULIO DANTAS, E COM FESTAS DA CIDADE P'LOS ANNIVERSÁRIOS, E SABONETES EM CONTA «JULIO DANTAS» E PASTAS DANTAS P'RÓS DENTES, E GRAXA DANTAS P'RÁS BOTAS, E NIVEINA DANTAS, E COMPRIMIDOS DANTAS E AUTOCLISMOS
DANTAS E DANTAS, DANTAS, DANTAS, DANTAS... E LIMONADAS DANTAS - MAGNESIA.
E FIQUE SABENDO O DANTAS QUE SE UM DIA HOUVER JUSTIÇA EM PORTUGAL TODO O MUNDO SABERÁ QUE O AUTOR DOS LUZÍADAS É O DANTAS QUE N'UM RASGO MEMORÁVEL DE MODÉSTIA SÓ CONSENTIU A GLÓRIA DO SEU PSEUDÓNIMO CAMÕES.
E FIQUE SABENDO O DANTAS QUE SE TODOS FÔSSEM COMO EU, HAVERIA TAES MUNIÇÕES DE MANGUITOS QUE LEVARIAM DOIS SÉCULOS A GASTAR.
MAS JUYGAES QUE N'ISTO SE RESUME A LITTERATURA PORTUGUEZA? NÃÓ! MIL VEZES NÃO!
TEMOS, ALÉM D'ISTO O CHIANCA QUE JÁ FEZ RIMAS P'RA ALUBARROTA QUE DEIXOU DE SER A DERROTA DOS CASTELHANOS P'RA SER A DERROTA DO CHIANCA.
E AS PINOQUICES DE VASCO MENDONÇA ALVES PASSADAS NO TEMPO DA AVÔSINHA! E AS INFELICIDADES DE RAMADA CURTO! E O TALENTO INSÓLITO DE URBANO RODRIGUES! E AS GAITADAS DO BRUN! E AS TRADUCÇÕES SÓ P'RA HOMEM (D) O ILLUSTRÍSSIMO EXCELENTÍSSIMO SENHOR MELLO BARRETO! E O FREI MATTA NUNES MÔXO! E A IGNEZ SYPHILITICA DO FAUSTINO! E AS IMBECILIDADES DO SOUSA COSTA! E MAIS PEDANTICES DO DANTAS! E ALBERTO SOUSA, O DANTAS DO DESENHO! E OS JORNALISTAS DO SECULO E DA CAPITAL E DO NOTICIAS E DO PAIZ E DO DIA E DA NAÇÃO E DA REPUBUCA E DA LUCTA E DE TODOS, TODOS OS JORNAES! E OS ACTORES DE TODOS OS THEATROS! E TODOS OS PINTORES DAS BELLAS ARTES E TODOS OS ARTISTAS DE PORTUGAL QUE EU NÃO GOSTO. E OS DA AGUIA DO PORTO E OS PALERMAS DE COIMBRA! E A ESTUPIDEZ DO OLDEMIRO CESAR E O DOUTOR JOSÉ DE FIGUEIREDO AMANTE DO MUSEU E AH OH OS SOUSA PINTO HU HI E OS BURROS DE CACILHAS E OS MENÚS DO ALFREDO GUISADO! E (O) RACHITICO ALBINO FORJAZ SAMPAIO, CRITICO DA LUCTA A QUEM O FIALHO COM IMMENSA PIADA INTRUJOU DE QUE TINHA TALENTO! E TODOS OS QUE SÃO POLITICOS E ARTISTAS! E AS EXPOSIÇÕES ANNUAES DAS BELLAS ARTE(S)! E TODAS AS MAQUETAS DO MARQUEZ DE POMBAL! E AS DE CAMÕES EM PARIS! E OS VAZ, OS ESTRELLA, OS LACERDA, OS LUCENA, OS ROSA, OS COSTA, OS ALMEIDA, OS CAMACHO, OS CUNHA, OS CARNEIRO, OS BARROS, OS SILVA, OS GOMES, OS VELHOS, OS IDIOTAS, OS ARRANJISTAS, OS IMPOTENTES, OS SCELERADOS, OS VENDIDOS, OS IMBECIS, OS PÁRIAS, OS ASCETAS, OS LOPES, OS PEIXOTOS, OS MOTTA, OS GODINHO, OS TEIXEIRA, OS DIABO QUE OS LEVE, OS CONSTANTINO, OS GRAVE, OS MANTUA, OS BAHIA, OS MENDONÇA, OS BRAZÃO, OS MATTOS, OS ALVES, OS ALBUQUERQUE, OS SOUSAS E TODOS OS DANTAS QUE HOUVER POR AHI!!!!!!
E AS CONVICÇÕES URGENTES DO HOMEM CHRISTO PAE E AS CONVICÇÕES CATITAS DO HOMEM CHRISTO FILHO!
E OS CONCERTOS DO BLANCH! E AS ESTATUAS AO LEME, AO EÇA E AO DESPERTAR E A TUDO! E TUDO O QUE SEJA ARTE EM PORTUGAL! E TUDO! TUDO POR CAUSA DO DANTAS!
MORRA O DANTAS, MORRA! PIM!
PORTUGAL QUE COM TODOS ESTES SENHORES, CONSEGUIU A CLASSIFICAÇÃO DO PAIZ MAIS ATRAZADO DA EUROPA E DE TODO OMUNDO! O PAIZ MAIS SELVAGEM DE TODAS AS ÁFRICAS! O EXILIO DOS DEGRADADOS E DOS INDIFERENTES! A AFRICA RECLUSA DOS EUROPEUS! O ENTULHO DAS DESVANTAGENS E DOS SOBEJOS! PORTUGAL INTEIRO HA-DE ABRIR OS OLHOS UM DIA - SE É QUE A SUA CEGUEIRA NÃO É INCURÁVEL E ENTÃO GRITARÁ COMMIGO, A MEU LADO, A NECESSIDADE QUE PORTUGAL TEM DE SER QUALQUER COISA DE ASSEIADO!
MORRA O DANTAS, MORRA! PIM!

janeiro 13, 2007

É tudo uma questão de ponto de vista

Já ouvi dizer muita coisa acerca do Gato Fedorento. e da sua (in)capacidade de criar humor. Há quem diga que já começaram a perder a graça, situação com a qual cheguei a concordar em dois momentos distintos. O primeiro deles deu-se ao assistir a um dos seus programas por altura das festividades de 2006. De facto, devo concordar que nesse episódio de "Diz que é uma espécie de magazine" os sketches foram especialmente insípidos e sem grande capacidade de captar a atenção de uma espectadora assídua e visitante habitual do blog. Ou isso ou a minha inteligência não era suficiente para entender a reviravolta de cada um dos momentos de humor - será esse o verdadeiro humor inteligente que tanto se apregoa hoje em dia?
O segundo momento foi de facto ter de assistir a um episódio repetido de GF quando parecia que estavam de volta depois do Natal e Ano Novo. Não. Era uma repetição, e do tal programa especialmente sem graça. Foi aí que comecei a pensar: "Pois, o meu cérebro deve estar mesmo entorpecido. Mesmo à segunda tentativa não consigo perceber onde está a graça". Só depois de conversar com outras pessoas percebi que de facto aquilo não teve piada nenhuma. Fiquei mais descansada.
Apesar de tudo isto, também há quem ache que eles são extremamente talentosos e dotados de grande inteligência. Ora, eu tenho de concordar. Se virmos bem, os temas e textos são de grande qualidade; os sketches então têm imensa piada - e mais ainda porque são um retrato quase 100% fiel da realidade. Além disso, assisti à Grande Entrevista com o RAP e não me venham dizer que ele não é inteligente. Só mesmo visto a capacidade de argumentação dele para com a Judite de Sousa. Como me disse alguém na altura, "ele sabe umas coisas". Bem, ele sabe muitas coisas! Falou de autores que até a Judite me pareceu desconhecer - e acho que todos sabemos como essa gente de televisão pensa que sabe tudo sobre qualquer tema. Mas não é só o RAP. Todos os Gatos estão de parabéns pela qualidade humorística que têm vindo a demonstrar desde 2003. E espero que continuem a fazê-lo durante mais algum tempo.
É claro que mais cedo ou mais tarde o pior vai acontecer: surgirão outros humoristas, outros Gatos. É o ciclo normal das coisas. Mas que não seja para já. Não desistam do Gato Fedorento.

janeiro 10, 2007

Eu acho que nunca chegamos a esquecer verdadeiramente as pessoas que amámos. Mesmo que as coisas não corram como havíamos desejado, mesmo que entretanto gostemos de outras pessoas e até nos apaixonemos e as amemos, todas as outras que ficaram para trás não são totalmente esquecidas. O bichinho apenas fica adormecido - não tendo, no entanto, de ser obrigatoriamente acordado no futuro - à espera, na esperança talvez ainda, de voltar a renascer e com mais força.
Assim, será que é possível (será que temos o direito de) provocar esse renascer? Será que podemos pensar que temos o direito a um pedacinho de céu e que, para tal, temos de ultrapassar algumas barreiras perigosas e calcar riscos proibidos? Teremos nós, os que amamos, o direito, mesmo com mais alguém envolvido, literalmente um terceiro, de voltar a tentar recompor a nossa felicidade adiada? E se a pessoa que - ainda - amamos estiver feliz assim como está agora? Se já for tarde? Será melhor pecar por cobiçar o alheio ou por nem sequer ter tentado? Ou por fazer tudo conforme e apenas a nossa vontade?

janeiro 03, 2007

Data de validade

Já deu para perceber que tudo na vida tem o seu prazo de validade - não são só os alimentos, ao que parece.
Por acaso faz-me uma certa confusão, para não dizer azia, saber que as pessoas olham com uma afincada aversão para tudo o que tenha cerca de, vá lá, um ano ou dois. Aliás, tenho a convicção que essa será a média para quase tudo na vida. Será esse o prazo o máximo que o ser humano pode aguentar?
Pior de tudo, as pessoas e as relações também parecem ter validade. Ninguém escapa disso na vida. As pessoas são como a nossa tralha: no início têm o brilho de tudo o que é novo, mas depois o tempo instala-se, surgem novas coisas. Surgem novas pessoas. E tudo recomeça. Mas as velhas coisas ainda lá estão.
A descartabilidade - se é que o vocábulo existe - à qual a humanidade não se faz rogada, faz-me uma certa confusão.

Pós-imagem

Nunca mais me esquecerei que o amanhã é apenas um hoje, assim como o hoje já foi amanhã. É confuso, eu sei. Mas a situação em si é confusa, porque mesmo estando hibernada por oito anos, continua viva como se tivesse sido há um mês.
Depois da expectativa de uma pré-imagem, surge agora o após, o anti-clímax de um sentimento de quase uma década. Mas faltou qualquer coisa, faltou a imagem para completar a estória quase hollywoodesca que foi a nossa. E agora que afinal nem te vi, percebi que não fazes falta.